quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Quero.


Eu quero é ver como ficam os meus livros dispostos na mesma prateleira que os seus. Quero ver os intelectualoides que moram dentro de nós explodirem no mesmo espaço, se fundirem e viverem juntos por muito tempo. Quero os meus cabides sistematicamente virados para o mesmo lado convivendo com a desordem das suas roupas, seus cintos e seus sapatos. Quero inverter a ordem das palavras e te fazer pedidos manhosos nos meus dias negros. Quero você curando esses meus dias, me massageando, dizendo que vai passar, me engordando, me deixando quieta e em paz. Quero te ajudar a combater a poeira da sua casa e a mandar embora toda a quinquilharia que já perdeu a importância, quero te ajudar a fazer da sua casa um lugar feliz. Quero acompanhar cada mudança no teu corpo, ver os pelos da tua sobrancelha crescendo, aprender suas cócegas, presenciar seus cabelos brancos ou caídos no chão do banheiro. Quero ver teu pau lindo e tão novo ficar enrugado de velhinho e quero, quando isso acontecer, descobrir novas formas de me fundir com você. Quero não conseguir dormir depois de uma noite de excessos enquanto você ronca pesadamente do meu lado ocupando dois terços da cama. Quero estar em todas as camas nas quais você se deitar, quero brigar com você sempre que fizer frio, quero dormir com mais travesseiros que você e me aproveitar do teu sono pesado de bêbado pra dormir com a cabeça escondida em você. Quero coçar meus olhos, meu queixo, meus ombros, minhas bochechas e meus pulsos na sua barba dura e quero evitar suas ressacas. Quando possível, curá-las. Quero ir com você pra todos os países e dormir nos piores lugares, tomar os banhos mais frios, comer as comidas menos higiênicas e ainda ter a certeza de estar exatamente onde eu deveria estar. Quero te sentir mesmo durante as maiores distâncias e quero sempre querer te ver, sempre viver os domingos mais estagnados e mais completos por estarmos juntos na mesma cama.

Mina Vieira.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A louca.


Eu não te amava mais. Eu não amava mais as palavras obscenas que você rosnava enquanto profanava meu corpo, enquanto percorria fisicamente os meus corredores mais profundos sem nunca ter batido na porta ou sem nunca ter sido espiritualmente treinado para isso. Eu não amava mais as suas ligações pseudo-espontâneas que me diziam que você sentia saudades. Eu não amava mais suas saudades, eu não suportava mais coisa nenhuma que viesse de você. Eu havia voltado a sentir aqueles sufocamentos que destruíam toda coisa bonita que alguém tentava construir comigo, havia voltado a sentir as náuseas, os péssimos humores, os desejos incontroláveis de fugir.


Eu era assim. Talvez você não soubesse porque nunca chegou a precisar de nenhuma conversa íntima comigo. Você me pedia pra abrir as pernas de tal forma que fizesse ser possível sorver meu útero, mas não permitia uma conversa franca daquelas que nos dão direito a lágrimas e abraço no final do expurgo. Você nem esperava que eu não te amasse mais. Você não tinha idéia do quão volúvel e louca eu era pra te ligar num dia e te pedir pra nunca mais aparecer na minha frente, você nem me conhecia. Você não conseguia ver nos meus olhos - e aqui eu me pergunto como, meu Deus, como alguém não enxerga coisas assim - que eu não suportava mais a textura dos seus pêlos, os seus cheiros, os seus gemidos de bicho, os seus assuntos ou qualquer outra das coisas que faziam você ser você.

Não lembro quanto tempo esses meus sentimentos ruins por você sobreviveram em mim. Eu lembro é que queria te destruir antes que eles desaparecessem, antes que eu voltasse a te amar por algum motivo qualquer. Eu precisava de você, mesmo enquanto te odiava. Eu precisava do troféu que era ter alguém como você aprisionado em minhas mãos. Gostava de pensar que você me havia escolhido enquanto o mundo estava cheio de loiras deliciosas capazes de engolir seu pau inteiro. Gostava de pensar que era de mim que você lembrava enquanto se masturbava, já que isso era tão importante pra você.

E eu gostava de você, no começo. Eu gostei de você até esse dia, até o dia em que você me ligou, disse que estava com saudades e eu notei que eu não sentia o mesmo e que a sua ligação me irritava a ponto de me lacerar as cordas vocais e te deixar perceber. Eu gostei muito de todas as nossas muitas transas épicas, de todos os orgasmos exaustivos que eu te proporcionei enquanto você dirigia e de todas as nossas pequenas conversas entre um transa épica e outra. Eu gostava tanto de quando você deitava em cima de mim, exausto, e só respirava muito fundo no meu pescoço enquanto eu olhava de olhos bem abertos pro teto querendo chorar e não tendo coragem. Gostei tanto que meus olhos quase querem chorar agora, mas mesmo esse quase querer acaba passando quando eu lembro que eu já não te amava mais.

Eu gostei de todas as roupas estranhas que você vestiu pensando em mim porque sabia que eu ia gostar. Eu gostei de todos os elogios grosseiros à minha bunda, de todas as ligações preocupadas quando eu estava doente, de todas as mensagens de texto em línguas incompreensíveis que me chegavam de madrugada.

Não que eu tenha chegado a te odiar, mas é só que agora existe um momento muito grande de não-amor dentro de mim que me faz não sentir sua falta e eu não consigo estar com alguém de quem eu não sinto uma necessidade extrema e absoluta. Eu queria você só pra mim quando ainda gostava, mas não agora. Agora eu espero que você entenda e se enfeite pra uma outra pessoa, mas se enfeite mesmo. Muito perfume e ervas pra ocultar esse teu cheiro de morto, muitos brilhos pra disfarçar a fosquidão da sua alma, muita música pra tapar o amargo da sua voz. Às vezes eu penso que queria que você me ligasse bem agora pra interromper esse meu momento de não te querer, mas eu sei que nada do que você fale vai consertar essa espécie de nojo que eu insisto em sentir.

Mina Vieira.

Das coisas que a gente nunca diz.


O que eu sinto às vezes - quase sempre - é uma vontade descabida de te segurar bem na minha frente e te confessar o mundo, o meu mundo. Eu tenho vontade de te botar palitos de fósforo nos olhos e te curar à ferro, se for preciso. Ludovico. Eu tenho vontade de poluir toda essa pureza das coisas que você sente e te guiar pelas minha cavernas, e te mostrar as coisas mais horrendas que eu vejo e faço diariamente, e te ter mesmo depois de tudo isso. Eu queria te falar do quanto ando bebendo, mas não acho jeito. Eu queria te mostrar as garrafas vazias escondidas no canto da pia junto com aqueles sachês bonitos e delicados que eu costumava fazer pra guardar as bolinhas de naftalina. Eu queria te mostrar os fundos dos copos vazios e te explicar o que cada um conteve e o que cada gole me trouxe, narrar de um jeito bonito (ainda que verdadeiro) todos os porres e todos os vômitos que vieram depois e todas as ressacas e os tombos. Eu
queria te afogar em fel, apesar de te amar mais forte do que eu havia amado qualquer outra coisa até então. Eu queria te afogar em fel porque assim você saberia, assim você realmente saberia o que estar comigo quer dizer. Eu queria te falar que não tenho escovado os dentes tão bem quanto deveria. Não que você alguma vez tivesse me feito pensar que era melhor esconder o meu sorriso podre, mas eu queria que juntos pudéssemos analisar cada uma das minhas cáries. E eu queria mais, eu queria depois de tudo isso ter a certeza de você ainda sorrindo, como sempre, e ainda querendo me botar no colo pra me dizer que tudo bem.

Mas eu queria, às vezes, escrever nos muros da tua casa que passividade tamanha não pode resultar em boa coisa. Eu te amo, eu te disse que te amo e que venho te amando de uma forma maior e mais intensa do que qualquer outra que eu já conheci, então não vou abusar dessas coisas boas que você faz pra mim. Por isso que eu queria te confessar as coisas todas, pra você poder ser mau comigo. Por isso eu queria te falar de todas as noites vazias e mágicas de sexo que tenho tido. Por isso gostaria de te apresentar cada um dos meus parceiros e te dizer que olha só, aquele me fez implorar por mais e olha só, aquele não me dá sossego até hoje. Às vezes eu queria ter a certeza de ter você lá depois disso e às vezes eu queria que você fugisse logo de mim, o mais rápido que você pudesse.

Eu não sei direito se eu quero te engolir inteiro ou se eu quero te colocar pra longe de mim, pra você poder sair brilhando e iluminar o mundo inteiro. Eu ainda estou pensando se vale a pena te trazer pra morar comigo e te esconder debaixo das minhas asas, porque toda a sujeira daqui ainda me parece bem melhor que o abismo da vida lá fora. Eu não sei se me regenero e cuido de você como tenho que cuidar ou se te machuco agora pra evitar traumas bem mais sérios no futuro. Eu não sei se te solto ou se continuo te guardando só pra mim pra assegurar a minha faixa de rainha do egoísmo. Eu não sei se te mato agora ou se espero mais um pouco. Eu nem sei se aviso que vou te matar.

Mina Vieira.

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