quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A louca.


Eu não te amava mais. Eu não amava mais as palavras obscenas que você rosnava enquanto profanava meu corpo, enquanto percorria fisicamente os meus corredores mais profundos sem nunca ter batido na porta ou sem nunca ter sido espiritualmente treinado para isso. Eu não amava mais as suas ligações pseudo-espontâneas que me diziam que você sentia saudades. Eu não amava mais suas saudades, eu não suportava mais coisa nenhuma que viesse de você. Eu havia voltado a sentir aqueles sufocamentos que destruíam toda coisa bonita que alguém tentava construir comigo, havia voltado a sentir as náuseas, os péssimos humores, os desejos incontroláveis de fugir.


Eu era assim. Talvez você não soubesse porque nunca chegou a precisar de nenhuma conversa íntima comigo. Você me pedia pra abrir as pernas de tal forma que fizesse ser possível sorver meu útero, mas não permitia uma conversa franca daquelas que nos dão direito a lágrimas e abraço no final do expurgo. Você nem esperava que eu não te amasse mais. Você não tinha idéia do quão volúvel e louca eu era pra te ligar num dia e te pedir pra nunca mais aparecer na minha frente, você nem me conhecia. Você não conseguia ver nos meus olhos - e aqui eu me pergunto como, meu Deus, como alguém não enxerga coisas assim - que eu não suportava mais a textura dos seus pêlos, os seus cheiros, os seus gemidos de bicho, os seus assuntos ou qualquer outra das coisas que faziam você ser você.

Não lembro quanto tempo esses meus sentimentos ruins por você sobreviveram em mim. Eu lembro é que queria te destruir antes que eles desaparecessem, antes que eu voltasse a te amar por algum motivo qualquer. Eu precisava de você, mesmo enquanto te odiava. Eu precisava do troféu que era ter alguém como você aprisionado em minhas mãos. Gostava de pensar que você me havia escolhido enquanto o mundo estava cheio de loiras deliciosas capazes de engolir seu pau inteiro. Gostava de pensar que era de mim que você lembrava enquanto se masturbava, já que isso era tão importante pra você.

E eu gostava de você, no começo. Eu gostei de você até esse dia, até o dia em que você me ligou, disse que estava com saudades e eu notei que eu não sentia o mesmo e que a sua ligação me irritava a ponto de me lacerar as cordas vocais e te deixar perceber. Eu gostei muito de todas as nossas muitas transas épicas, de todos os orgasmos exaustivos que eu te proporcionei enquanto você dirigia e de todas as nossas pequenas conversas entre um transa épica e outra. Eu gostava tanto de quando você deitava em cima de mim, exausto, e só respirava muito fundo no meu pescoço enquanto eu olhava de olhos bem abertos pro teto querendo chorar e não tendo coragem. Gostei tanto que meus olhos quase querem chorar agora, mas mesmo esse quase querer acaba passando quando eu lembro que eu já não te amava mais.

Eu gostei de todas as roupas estranhas que você vestiu pensando em mim porque sabia que eu ia gostar. Eu gostei de todos os elogios grosseiros à minha bunda, de todas as ligações preocupadas quando eu estava doente, de todas as mensagens de texto em línguas incompreensíveis que me chegavam de madrugada.

Não que eu tenha chegado a te odiar, mas é só que agora existe um momento muito grande de não-amor dentro de mim que me faz não sentir sua falta e eu não consigo estar com alguém de quem eu não sinto uma necessidade extrema e absoluta. Eu queria você só pra mim quando ainda gostava, mas não agora. Agora eu espero que você entenda e se enfeite pra uma outra pessoa, mas se enfeite mesmo. Muito perfume e ervas pra ocultar esse teu cheiro de morto, muitos brilhos pra disfarçar a fosquidão da sua alma, muita música pra tapar o amargo da sua voz. Às vezes eu penso que queria que você me ligasse bem agora pra interromper esse meu momento de não te querer, mas eu sei que nada do que você fale vai consertar essa espécie de nojo que eu insisto em sentir.

Mina Vieira.

1 comentários:

crap disse...

ao longo desse texto, algo me fez pensar que eu já tenha lido ele escrito por você em algum momento anterior a agora, mas não sei.
eu gostei, mesmo. é tão bonito, mesmo sendo tão humano.
gosto da tua escrita, você sabe.

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