segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O que eu faço de melhor.

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Já provaram que pra falar de amor não é necessário um Português dos mais corretos. Pra falar de amor, na verdade, não se precisa de nada, digamos, correto. Não se precisa de quase nada, além de um pouco de disposição e algumas rachaduras no coração. Para falar de amor não é necessário estar amando, não é necessário estar com alguém, não é necessário estar sofrendo de solidão ou abandono.

Falar de amor a gente fala sem ensaios. A gente junta as palavras e as cenas vistas num certo período a gosto do escritor e as organiza de forma poética, de forma boa de ouvir. Pra falar de amor a gente transforma atos pueris - como cair no banheiro, arrumar o cabelo desta ou daquela maneira, escolher a cor do esmalte - em acontecimentos sofridos e marcantes. A gente inunda o mundo com lágrimas de crocodilo, coloca no papel e espera que acreditem. Falar de amor não tem mistério. Não precisa entender do assunto, não precisa ser vivido e muito menos simpatizar com o estado de amar, é só escrever. É só colocar palavras bonitas como flor, especial, chorar, sonho, inesquecível e pensar numa pessoa, a pessoa que naquele momento pareça ser a mais especial do mundo, a flor azul do seu jardim secreto, o motivo de toda e qualquer ameaça de chorar, a pessoa inesquecível sobre a qual você vai contar pro seu marido quando os dois estiverem velhinhos.

Para falar de amor basta exagerar, basta deixar de lado todo o bom senso e todas as medidas, todos os limites. Falar de amor não exige nenhum sacrifício mortal, não é enfiar a unha na carne, atingir o coração e percorrer seus labirintos com os dedos até encontrar as palavras. Falar de amor é repetir o que outros já disseram, de forma mais ou menos sincera. Falar de amor é deixar de lado, às vezes. Deixar de lado algumas reservas, ignorar algumas contenções e se desnudar. Desde que isso não seja sacrifício, desde que esteja tudo bem em estar nu. Falar de amor é concordar com si mesmo, é despejar as palavras com facilidade, fazê-lo como quem toma banho frio num dia amarelo de verão.

Você pode falar dos pés do seu amado ou pode falar de quanto mal lhe foi feito. Você pode falar bem ou falar mal, você pode demonstrar o quanto ainda ama ofendendo o objeto de amor, pode falar que ama sem falar a que, pode ser subjetivo e enganar a todos, pode ser como a canela, que se esconde entre todos os outros temperos mas sempre nos faz perceber que está ali. Mas você não pode deixar de falar. Falar de amor é mais importante que ter filhos, escrever livros ou plantar árvores. É mais importante que salvar a Floresta Amazônica, é mais importante que a retirada das tropas americanas do Iraque, é mais importante que virar vegetariano e salvar o animais, é mais importante que a independência do Tibet, a renúncia de Fidel Castro ou a dengue no Rio de Janeiro, é mais importante que não jogar lixo na rua. Falar de amor é vital.

Falar de amor, apesar de tudo, não vale tanto. Não vale pois se pode falar de amor sem estar amando. Pode-se falar que ama sem realmente amar e há quem faça isso muito bem, vocês sabem. Não se iludam com simples palavras bonitas e bem arranjadas, com um bom dia de um bom escritor, com um surto criativo de um adolescente, com os resultados de uma ingestão de ópio, com as considerações de um homem de meia idade que teve um dia difícil. Não se iludam nem mesmo com a música mais bonita e mais triste do mundo, pois quase nunca há nela toda a poesia que enxergamos. Não se iludam comigo, principalmente. Não se iludam com o meu jeito seguro e entendido de falar sobre falar de amor, porque é quase tudo casca, é quase tudo tão descartável quanto amar.

Mina Vieira.

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