sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Vou deixar a mala.


Nunca gostei de homem frouxo. Sempre tive um problema irreparável com homens que não sabem o que querem ou que tem problemas em admitir qualquer coisa que seja. Aqueles que chegam sempre com o mesmo texto impressionante e que sempre vão embora dizendo que talvez ainda queiram ficar sozinhos, blá blá blá, você é louca demais, blá blá blá, sou um covarde que perdeu as bolas na cheia do rio São Franciso, blá blá blá. Eu, por alguma falha muito grande no juízo, fui parar morando no apartamento de um cara assim. Quando nos conhecemos eu estava sozinha num bar. Naquele dia eu tinha decidido não beber muito, mais por falta de grana do que por prudência, e isso me ajudou a conseguir manter uma conversa. Chegou dizendo que me conhecia, que sempre me via por aí, que sabia dos meus CDs favoritos e que eu tinha que ser mais aberta, mais fácil. Ficar menos na defensiva, sabe? Caralho, como alguém chega numa mulher sozinha num bar e vai dizendo que ela tem que ser mais aberta? Foda-se ele, eu pensei. Mas aí ele foi me convencendo devagarzinho. Falamos de Bukowski e Kundera, de Pink Floyd e de Beatles, de sexo anal e de dormir de conchinha. Era um cara engraçado, apesar de meio intrometido. Sacava todas as minhas piadas e sempre tinha umas muito boas pra contar. Tinha um charme de bêbado ao qual eu não conseguia resistir. Me pagou umas bebidas e eu andava adorando caras que me pagavam bebidas, disse que eu era bonita, colocou a mão na minha perna e a manteve por lá quase que a noite toda, me impressionou com os lugares pelos quais ele havia passado, falou de putarias brutais sem corar. Aí chamei o idiota pra ir lá pra casa. Eu dividia a casa com cinco homens, todos uns porcos preguiçosos. Homens não entendem o que limpeza quer dizer, principalmente os jovens. Eu dormia numa cama de solteiro num quarto sem janela que me fazia suar feito um leitão na churrasqueira e tinha todas as minhas coisas secretas e preciosas coladas nas paredes. Não dei a mínima. Ele estava mais bêbado que eu e provavelmente nem conseguiria ler nada. Foi se deitando na cama já abrindo os botões da camisa, esperando que eu pousasse em cima dele. Como um avião, mesmo. O cara era a pista de pouso e ficaria parado eternamente esperando que um avião enorme e eficiente fizesse todo o trabalho. Ou pelo menos a parte difícil dele. Quase reclamei, mas já estava morrendo de tesão e com preguiça de discutir e explicar todas as minhas teorias sexuais. Deitei, suguei a língua dele, colei minha boca macia naquela boca macia e esqueci que eu não era aberta ou fácil e que ficava sempre na defensiva. Botei a minha mão dentro das calças dele que eram largas demais pra aquele corpinho magrelo e fui buscar o meu prêmio. Trepamos uma vez. Conversamos sobre todo o nosso universo intelectual, sobre eu não ter gozado, sobre a produção literária nacional do século XXl, sobre suco de laranja de caixinha e sobre a recepção de José de Alencar na Bósnia. Outro teria broxado. Ele pulou em cima de mim, me chupou até que eu gozasse e me comeu daquele jeito que só as pessoas muito boas tem de me comer e me fazer chorar de tão bem comida que estou sendo. Mas não chorei não. Disse pra ele ficar, pra dormir lá. Quando acordamos não estávamos arrependidos e almoçamos juntos e nos tornamos um daqueles casais cor-de-rosa que andam sempre de mãos dadas e não se abandonam nunca. Ele me tirou daquela casa que eu dividia com mais cinco pessoas e me deu um quarto com janelas. Duas! Me deu prateleiras pra colocar meus livros, me deu uma mesa pra estudar, me deu uma cozinha limpa - porque não há amor que resista a duas semanas de louça mutando na pia -, me deu um banheiro sem cabelos no ralo e nunca usou meu sabonete do Snoopy, me deu ventiladores e um DVD e um liquidificador e jogos americanos e formas de gelo sempre cheias e... e tudo. Eu tinha uma casa, finalmente. E eu amava o idiota. Eu me apaixono muito fácil, é o que eu sempre digo. Teria me apaixonado se não tivesse ganhado todas essas coisas, teria me apaixonado se ele tivesse broxado logo na primeira vez, teria me apaixonado se ele tivesse pelos nas orelhas e teria me apaixonado se ele falasse tudo errado e não tivesse quatro dentes bem na frente daquela boca macia. Acho que eu me apaixonei porque ele tinha coragem de aparecer do nada, sentar na minha mesa e apontar tudo que ele via de errado em mim. Ele me encorajava a acordar de madrugada pra botar no papel as minhas ideias e não ficava bravo com o barulho que eu fazia, não reclamava com as portas que eu batia e nunca falou uma palavra sequer sobre eu deitar na cama com a toalha molhada enrolada no corpo. Era isso que o fazia irresistível, além dos mimos incontáveis e do sexo sempre maravilhoso. Mas um dia uma mulher me ligou e disse que os dois se viam sempre, que na verdade ele fazia isso com mais umas quatro mulheres e que era por isso que ela estava me ligando, porque estava com raiva. Tudo bem. Desde criança, quando eu pensava que um dia um homem me trairia e eu ficaria sabendo, eu me imaginava ficando bem quieitinha até que o cara decidisse confessar tudo, se ajoelhar, chorar lágrimas e mais lágrimas e me implorar perdão. Na minha cabecinha de criança eu não perdoaria, claro. Depois de adulta eu sabia que não conseguiria ficar quieta, nunca. Ao longo da minha adolescência e de frequentes desilusões amorosas tinha me tornado a coisa mais explosiva e burra do planeta. Nesse dia o idiota chegou em casa e eu já estava de malas prontas. Expliquei tudinho pra ele. Expliquei que eu estava quieta sentada na porra da mesa do bar, sozinha, sem olhar pra ele, sem demonstrar qualquer interesse e ELE se aproximou. Me encheu o saco, fingiu que me entendia, me tirou do conforto quentinho que era a minha vida de vadia decadente que divide a casa com cinco caras e dormia num quarto sem janelas pra ISSO! Pra um dia alguém me ligar e me dizer que a minha vida se tornou uma merda. Eu tô indo pra Piracicaba. Eu te amo pra caralho. Eu vou voltar, sou uma retardada, te amo feito uma idiota. Você pode gostar das suas cinco mulheres ao mesmo tempo que eu vou aprender a não ligar. Vou achar cinco ou seis homens pra mim também, vou riscar teus CDs favoritos que também são os meus, vou destruir as pregas de todas as calças que você usa pra trabalhar, vou bater teu carro e vou ficar uns dias sem falar com você. Mas vou voltar. Tô indo pra Piracicaba pra ver se eu mudo de ideia, pra ver se eu te odeio um pouquinho. Vou pra lá porque é só até lá que meu dinheiro chega. Vou pegar teu dinheiro, aliás. Grande parte dele. Vou te foder de todas as formas possíveis pra você aprender a nunca mais tirar mulher nenhuma da vida que ela leva, seja o quão deprimente for, pra depois se sentir no direito de destruí-la. Depois eu volto, atiro nas outras vadias e me torno a melhor mulher do mundo. Você vai me amar tanto que nunca mais vai conseguir desejar ninguém. E vai me dar um gato, e dizer que eu sou linda o tempo todo e tirar férias do trabalho pra ficar mais tempo comigo e vai me pedir filhos. Depois de tudo isso vai estar tudo bem eu te amar de novo. Você topa? Então tá. Fica combinado. Vou ali longe me vingar de você e volto logo. Me espere, fique com saudades, se arrependa bastante e saiba que da próxima eu posso não voltar. Eu sei, eu volto.

Mina Vieira.

4 comentários:

Corsário Satã disse...

Mina, eu não sabia que você era um Bukowski tupiniquim de calcinhas. Mandou bem pra caralho. Já pensou em publicar um livro de contos? Eu certamente daria de presente pra alguns amigos e ex-namoradas.

Beijos de corpo,
Enrico

crap disse...

" formas de gelo sempre cheias" muito bom isso. mesmo.
"produção literária nacional do século XXI" me fez pensar que eu não leio a produção literária nacional do século XXI e que ano passado, no entanto, foi o ano que mais li produção literária nacional do século XXI. e tem umas coisas boas... mas ainda não me ganharam como de lingua inglesa. ano passado descobri philip roth e... porra. mudou minha vida. enfim...

"Me deu prateleiras pra colocar meus livros" a vida fica melhor com prateleiras para livros, véi.

uma coisa que eu aprendi vivendo é que a vida regenera melhor que fígado e que, se não for uma cirrose, tudo tem jeito.

"Eu tô indo pra Piracicaba."
porra, eu queria às vezes usar um nome de cidade, uma localização, mas eu fico com medo de... sei lá, regionalizar algo que pode ser mais universal. e não que você tenha regionalizado, porque piracicaba pode ser arapiraca ou piaçabuçu, mas eu fico com medo de escrever esses nomes próprios assim. meus personagens mal tem nome... :x

muito bom o texto e acho que me estendo demais nos comentários.

e eu nunca li kundera.

Patrícia disse...

Eu não sei se é porque estou bêbada ou o quê. Mas o que você escreveu me deixou sem fôlego.
Parabéns guria. Tu é excelente.

Anônimo disse...

sim eu gostei bem escrito msm.....tem bastante impacto....chega a ter ate toques caoticos....coisa q eh sempre interessante de se ver

bjosss

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